sábado, 28 de novembro de 2015

19- Capítulo Dezenove

2011

Precisei ler mais duas vezes. Martagon era quase outro país pela distância.
"Não..." Pensei em voz alta.

Hurt (Johnny Cash)
I focus on the pain
The only thing that's real
Eu me concentro na dor
A única coisa que é real

"Eu não vou." Sally disse de imediato."Esse e-mail já tem uma semana e eu não tinha visto. Estava evitando o meu pai. Você sabe que vez ou outra faço isso. Mas eu não vou. Ele nem me perguntou se eu queria. Nem se importa com o que isso vai fazer na minha vida."
Desejei concordar. Dizer que poderíamos fugir e eu teria a Sally só para mim. Peguei suas mãos e olhei em seus olhos. As palavras quase saíram.

Full of broken thoughts
I cannot repair
Cheio de pensamentos quebrados
Que eu não posso consertar

"Acho que dá pra passar em casa e pegar um bolsa com algumas roupas. Tenho algum dinheiro." Ela começou a falar, mas parou chorando.
Coloquei sua cabeça no meu ombro. Nós dois sabíamos que ela iria viajar. Não teria fuga, nem tentativa disso.
"Vai ficar tudo bem." Falei.
A maior tristeza de Sally sempre foi ser distante de seu pai. Quando mais nova ela gostava de me contar como imaginava que seria a sua vida se a sua mãe ainda estivesse viva. Como seria chegar em casa e encontrar seus pais conversando qualquer bobagem. Ter horário pra chegar em casa. Levar bronca por alguma irresponsabilidade. E na nossa realidade, que pelo menos ela tivesse seu pai fazendo esse papel.
Estava ali a sua chance, mesmo que bem pequena, de ter isso. E que bem nos traria fugir? Ver tudo o que minha doce Sally poderia realizar em sua vida ser jogado fora? Nunca.
"Logo agora..." Ela disse. "Como vou ficar sem todo mundo? Principalmente sem você. Parece um pesadelo."
"Falta pouco para o final do ano. Poderemos nos ver e... Se você quiser nunca mais ficaremos longe."
Ela tirou a cabeça do meu ombro e olhou fundo nos meus olhos. Acariciou o meu rosto.
"Vou sentir tanta a sua falta..."
Respirei fundo tentando não pensar em mim.
"Presta atenção. Nada nesse mundo poderia me separar pra sempre de você. Vão ser só alguns meses e depois estaremos juntos novamente."
Ela fechou os olhos e depois os abriu já se levantando.
"Melhor eu ligar meu celular então. Meu pai deve estar enlouquecendo. Me ajuda a arrumar umas bolsas?"
"Claro." Peguei sua mão e voltamos para casa.
Sally falou com seu pai. Separou poucas roupas e alguns objetos.
"Ainda tenho três horas." Falou. "Quero chamar o pessoal para poder me despedir e explicar tudo. Mas antes quero passar mais um tempinho só com você."
Sorri. Fui beijado. Fizemos amor. Ainda deitada em meus braços chamou meu nome e então meneou a cabeça.
"O que foi?" Perguntei.
"É só que... Nós nunca fomos lá muito sortudos. E a vida é essa maluquice..." Pausou. "Nunca tinha passado pela minha cabeça qualquer possibilidade de futuro em que você não fizesse parte da minha vida."
Interrompi. "Ei. Mesmo de longe vou continuar cuidando de você."
Ela sorriu.
"E vai ser por pouco tempo, amor. Vai passar rapidinho, vai ver." Completei.
"Só quero que você saiba que eu nunca amei alguém como amo você e o quanto você é especial."
Esboucei falar, mas ela não permitiu.
"Escuta." Continuou. "Não estou dizendo que você é especial porque eu te amo e porque me ama. E eu te conheço, Jack. Sei bem o que pensa de si. Mas quero que agora, sempre que passar pela a sua cabeça que você é menos do que incrível você possa se lembrar desse momento. Do que estou te dizendo."
"Você me dizendo assim parece que não vamos mais nos ver."
Vi as lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
"Se por alguma infelicidade..." Fechou os olhos e respirou fundo. "Jack, estou morrendo de medo."

I am still right here
What have I become, my sweetest friend?
Everyone I know goes away
In the end
Eu ainda estou bem aqui
O que me tornei, minha mais doce amiga?
Todos que eu conheço vão embora
No final

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