domingo, 15 de janeiro de 2012

1- Capítulo Um

2011
I don't believe that anybody
Feels the way I do about you now
Não acredito que ninguém
Sinta o mesmo que eu sinto por você agora
(Oasis – Wonderwall)

Eu poderia ter apostado a minha vida sem medo de errar quando vi aquela sombra humana por debaixo da porta surgir logo que comecei a tocar o violão de que era a Sally.
Errei a estrofe inteira quando ela passou pela porta do meu quarto.
Antes que ela começasse a falar eu já sabia. Esbouçou um sorriso educado, olhou rapidamente para o chão e se virou para fechar a porta com demasiado cuidado.
“Ah, eu amo essa música. Tão linda...” Suspirou. “Não para, por favor, só queria poder ouvir de mais perto.”
Continuei.

There are many things that I would like to say to you
But I don't know how
Existem muitas coisas que eu gostaria de te dizer
Mas não sei como

Sally se ajeitava ao meu lado na cama.
“Tê...”
“O que houve?”
“Como você consegue não se apaixonar?”
Errei. Errei. Errei.
Ela deu uma gargalhada. “É que você podia me ensinar... Eu me apaixono por todo mundo, tem ideia do quanto isso é horrível?”
Na verdade, eu tinha sim.
“Se apaixonou por alguém?”
Ela fez beicinho. “Quando que não, né!” Disse mal humorada.
“Por quem?”
“Não... não é isso.”
Esperei.
“É que todos que me cercam eu olho e os acho interessante. Tipo... Poucas exceções, né, mas, caraca... Dá medo. Fiquei pensando nisso hoje. Sou tão fácil, Jack. Sou uma vergonha.”
Passei uma mão tirando o cabelo de seu rosto que já repousava no meu colo.
“Você não é nada disso.”
“Não é pra você me consolar. Não estou fazendo drama, juro. Eu só queria ser diferente... Única pra alguém, sabe? Só queria encontrá-lo... Eu o amaria pra sempre.”
Tive medo que Sally percebesse as batidas do meu coração acelerando, mas, talvez, eu quisesse que ela se desse conta nem que fosse só por um instante...
***
1999
“Jack querido, por que você não brinca com os seus colequinhas? Minha professora me questionou.
Não respondi.
“Jack...”
Encarei.
“Fizeram alguma coisa com você, querido?”
No jardim de infância e eu já era um problema.
Dei uma olhada na cena. Uns corriam, outros poucos estavam sentados, mas nenhum sozinho. Não encontrei o Scott. Ele deveria estar perturbando alguém. Pouco me importava. Eram todos iguais: irritantes.
“Se eles te fizeram alguma coisa, você pode me falar, querido.” A professora insistiu.
“Estou bem.”
“Tem certeza? Está tão quieto... sozinho... É só vergonha, então? Eu te levo até eles.”
Olhei novamente para os outros. Até mesmo os alunos novos já tinham feito amizades. Scott apareceu. Logo em seguida um garoto surgiu chorando, olhando para o Scott com medo. Vários alunos o cercaram, curiosos.
A professora que falava comigo estava de costas e nada via. Um monitor foi ver a criança que chorava e as outras se afastaram.
“Tudo bem... Vou te deixar quietinho, então. Sua mãe me disse que você gostava de ficar sozinho, mas achei que fosse exagero. Qualquer coisa, só me procurar, combinado?”
Ela saiu, finalmente.
Uma garota magrelinha foi até o menino que agora estava sentado distante dos outros. Ela falou. Ele falou e chorou novamente. Ela, meio sem jeito, limpou as lágrimas do rosto dele e disse mais. O menino abriu um sorriso radiante. Senti inveja.
Todos os dias que se seguiram eu passei o intervalo no mesmo lugar, afastado de todos. Mas tinha algo essencialmente diferente. Enquanto todas as outras crianças me entediavam e me irritavam facilmente, tinha aquela garota magrelinha que despertava mais e mais a minha curiosidade. Ela era diferente.
Ela sempre aparecia com um novo machucado coberto por um band-aind colorido. Foi quando vi o Scott a puxando pelo braço que descobri de onde suas feridas vinham.
E foi quando eu a vi chorar pela primeira vez que entendi que não podia mais ficar distante...
Ela estava no chão assustada.
Toquei seu ombro. “Ei, pode levantar agora. Eles já foram.”
Ela tremeu e continuou encolhida no chão.
Senti meu coração se apertar e eu sequer sabia o que isso significava...
“Eles não vão mais te machucar. Não vou deixar que te machuquem. Vou te proteger.” Notei a minha voz, que era sempre violenta, mansa.
Ela tirou o rosto do chão. Nem mesmo o tom dos seus olhos castanhos era comum. Ela me olhava como nunca ninguém tinha me olhado antes. Como se eu fosse bom... Eu desejei aquele olhar pra sempre sobre mim.
Sally Carter...
Ela me tinha aos seus pés.