domingo, 27 de maio de 2012

11- Capítulo Onze


2011

Passamos o dia fugindo um do outro. Nenhuma ocupação era realmente importante ou tão urgente, mas agimos como se fossem. Eu sentia como se meu coração pudesse pular em minhas mãos se eu ficasse à sós com a Sally.
Já tinha chegado o final de semana e mal tínhamos trocado palavras.  Acredito que teríamos continuado nos evitando por mais tempo se já não tivéssemos combinado antes de passar aqueles dias juntos.
Nada de fim de semana em Primavera. Queríamos curtir lugares diferentes em Almerim; aqueles que não tínhamos tempo de conhecer na correria diária. Tudo bem que Almerim não era uma cidade conhecida por sua beleza indescritível nem por ter lugares incríveis para se visitar. Mas não se tratava disso. Nós não conhecíamos a cidade onde passávamos dias e mais dias. Nossos passeios se limitavam à uma pracinha próxima à escola, uma lanchonete e uma sorveteria.
“Oi.” Sally disse de um jeito engraçado, inclinando a cabeça na minha frente.
“Sally!”
“Pronto para o descobrimento de Almerim?”
“Bom dia.”
Ela sorriu envergonhada. “Bom dia, Jack.”

You and Me (Lifehouse)
What day is it and in what month
This clock never seemed so alive
Que dia é hoje e de que mês?
O relógio nunca pareceu tão vivo

Eu tinha feito uma pequena pesquisa sobre alguns lugares mais bacanas para o nosso passeio, mas Sally montou um bico me repreendendo. Eu tinha apontado para a direita, ela me apanhou pelo pulso e me arrastou pela esquerda. Começamos a andar sem rumo certo, porque Sally cismou que assim seria mais emocionante.
Aquelas ruas pareciam de uma parte mais pobre da cidade. Muros pixados, latas de lixo viradas, crianças correndo descalças...
“Sally, acho melhor a gente voltar e ir pelo outro lado.” Tive certeza de que era a melhor ideia assim que vi um grupo de jovens mal encarados que não tiravam os olhos de nós.
“Com medo, Jack?”
Ri nervoso. “Eu sei cuidar de mim, minha preocupação é com você.”
Ela riu debochada. “Ok. Se é assim, então relaxa e senta comigo ali.” Apontou para uma quadra de basquete onde alguns meninos competiam pela bola e outros assistiam.
“Tem certeza disso? Não acho uma boa ideia.”
Ela sorriu me desafiando. Não me lembro de ter conhecido esse lado da Sally antes e a ideia de ainda ter o que eu não soubesse sobre ela me surpreendeu bastante.

'Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder

“Ok.” Respondi.
Nos sentamos num pedaço de concreto um pouco afastado da maioria.
“Você não se sente mais vivo fazendo esse tipo de coisa?” Ela não esperou resposta. Fechou os olhos, inspirou e expirou profundamente o ar. “Eu estava precisando de algo assim. Tem gente que usa drogas ou enche a cara pra sentir o sangue correr pelas veias, eu só preciso de um momento como esse... Sem saber o que vem a seguir.”

And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você

“Eu te amo.” As palavras simplesmente saíram da minha boca.
Ela abriu os olhos surpresos pra mim, depois abriu um sorriso e encostou sua cabeça no meu ombro alisando a minha mão.
“Vamos?” Perguntei.
“Tá bom...” Me respondeu sem vontade.
“Você ainda quer ficar?”
“Não. Bora logo.” Levantou-se.
“É só porque acho que é melhor a gente almoçar...”
Ela olhou a hora no celular. “Nossa! Já é isso tudo?” Me olhou com os olhos arregalados. “Caraca... Você já deve estar morrendo de fome, né. Bora voltar... Sabe de algum lugar legal pra gente comer?”
“Sei sim. Pelo menos nas fotos parecia um bom lugar...”
“Perfeito.”
As fotos que achei em minhas buscas pela internet não foram nada mentirosas... Ok, nas imagens o lugar parecia muito mais aconchegante, mas isso eu já tinha previsto.
Escolhi um lugar onde pudéssemos ficar mais a sós.
Sally começou com uma conversa de que não estava com fome; pedi para ela o mesmo que para mim. Ela revirou os olhos, mas não discutiu. Quando nossos pedidos chegaram ela olhou triste para o seu prato.
“Está mesmo sem apetite?” Coloquei a minha mão sobre a dela. “Come pelo menos um pouquinho...”
Forçou um sorriso. “Não é isso.” Meneou a cabeça. “Só estava pensando naquela gente. Nunca tinha visto de perto um lugar assim... mais simples. Como pode na mesma cidade onde existe um restaurante como esse ter gente que vive daquele jeito?”
Era esse tipo de coisa que eu mais amava nela. “Não devíamos ter seguido aquele caminho.”
“Está tudo bem, Jack. É só o que mostra nos noticiários; não é nenhuma surpresa. Só acho muito injusto. E me sinto tão pequena pra poder fazer alguma coisa a respeito...” Ela deu uma pausa. “Nossa! O assunto ficou tão tenso de repente, né?!”
Eu só conseguia pensar no quanto eu tinha sorte. Quem eu amava estava bem na minha frente com as bochechas coradas por ver nossas mãos sobrepostas.