domingo, 29 de novembro de 2015

20- Capítulo Vinte

2011

O meu medo era bem diferente do medo de Sally. E ela sabia que eu nunca a abandonaria enquanto ela me quisesse em sua vida. Não queria pensar no meu medo.
Ficamos abraçados na cama por um momento até ela lembrar assustada que precisava se despedir de seus amigos e que o tempo estava acabando.
Enquanto ela se arrumava esperando o pessoal, era inevitável pensar em como as coisas seriam. Não no que queríamos naquele momento, porém algo mais próximo da realidade.
Eu desejava do fundo do meu coração que essa mudança pudesse fazê-la feliz como ela nunca foi. Porque imaginá-la chorando escondida se sentindo solitária me fazia querer impedir que ela fosse.

Wherever Will You Go (The Calling)
So lately been wondering
Who will be there to take my place
When I'm gone, you'll need love
To light the shadows on your face
Ultimamente tenho pensado
Quem estará lá para ocupar meu lugar
Quando eu for, você vai precisar de amor
Para iluminar as sombras em seu rosto

Quando nossos amigos chegaram fizeram a bagunça de sempre. Até conseguiram com que Sally parasse de chorar e ficasse animada.
"Como vou conseguir ficar sem as maluquices de vocês?"
"Não se anime muito que não vai se livrar da gente tão facilmente." Talita disse.
Um dos seguranças apareceu indicando que já estava na hora.
Ela fez uma cara de quem pergunta "Já?".
"Larga de drama, Sally e se manda logo que em breve estaremos reunidos novamente." Mariana resmungou.
"Também vou sentir saudades, feiosa!" Sally devolveu a implicância.
Depois de mais outros milhões de abraços e despedidas o segurança estava claramente impaciente.
Talita virou o rosto da Sally e lhe deu um selinho nada delicado. Sally arregalou os olhos.
"Pra você ter um motivo pra sair correndo logo daqui. De onde veio esse tem mais..." Talita ameaçou rindo.
Ficamos todos em frente da casa vendo enquanto ela caminhava até o carro e quando ela estava quase entrando no veículo voltou correndo olhando fixamente para mim.
O pessoal começou a rir.
"Você tem que ir logo, amor..." Falei enquanto ela vinha.
Abraçou-me forte e com a mesma intensidade me deu um beijo. Depois voltou correndo para o carro. Nossos amigos fazendo piadas com a cena.
Eu sorria, mas não estava feliz.

Run away with my heart
Run away with my hope
Run away with my love
Fuja com meu coração
Fuja com minha esperança
Fuja com meu amor

"E ai, quem topa ir para uma festa logo mais?" Vinícius.
"Vou pro meu quarto" Falei.
"Até parece que vamos deixar!" Talita fez cara de poucos amigos. "Nem pense em ficar nessa de deprê. Vai sair com a gente e pensar nos próximos shows que temos agendado."
"Talvez até dê pra gente tocar nessa festa." Vinícius comentou.
"Melhor ainda!" Talita.
É claro que eu não queria, mas ela não me deixaria em paz enquanto eu não aceitasse e eu não estava com humor para muita conversa.
"Tudo bem, então." Respondi.
Comemoraram.
A festa teria sido uma completa perda de tempo se não tivéssemos tocado.
Talita me viu quando eu tentei ir embora sem ser visto depois de nos apresentarmos.
"Jack!" Talita me chamou e se aproximou. "Obrigada por ter vindo com a gente. Sei que agora vai querer ficar sozinho, mas tenta não fazer isso. Gostamos da sua companhia... Não quero que fique mal."
"Não se preocupe." Disse secamente.
Ela me olhou sem jeito e um tanto triste.
"Ei..." Tentei me desculpar. "Não precisa mesmo se preocupar. Depois você me conta melhor o que tem planejado pra banda. Não vou sumir dos ensaios."
Ela me deu aquele sorriso que damos para alguém especial. O mesmo sorriso que sempre dei para Sally e que diversas vezes ganhei da Talita.
Abracei aquela garota cheia de piercings na minha frente e lhe dei um beijo na testa.
"Se cuida." Falei.
"Você também."
Já no meu quarto me perguntava se eu não deveria ter ido com a Sally. E ser procurado pela polícia/minha mãe ou virar morador de rua; lembrei.

In your heart and your mind
I'll stay with you for all of time
If I could, then I would
Em seu coração, em sua mente,
Eu ficarei com você por todo o tempo
Se eu pudesse, então eu iria

sábado, 28 de novembro de 2015

19- Capítulo Dezenove

2011

Precisei ler mais duas vezes. Martagon era quase outro país pela distância.
"Não..." Pensei em voz alta.

Hurt (Johnny Cash)
I focus on the pain
The only thing that's real
Eu me concentro na dor
A única coisa que é real

"Eu não vou." Sally disse de imediato."Esse e-mail já tem uma semana e eu não tinha visto. Estava evitando o meu pai. Você sabe que vez ou outra faço isso. Mas eu não vou. Ele nem me perguntou se eu queria. Nem se importa com o que isso vai fazer na minha vida."
Desejei concordar. Dizer que poderíamos fugir e eu teria a Sally só para mim. Peguei suas mãos e olhei em seus olhos. As palavras quase saíram.

Full of broken thoughts
I cannot repair
Cheio de pensamentos quebrados
Que eu não posso consertar

"Acho que dá pra passar em casa e pegar um bolsa com algumas roupas. Tenho algum dinheiro." Ela começou a falar, mas parou chorando.
Coloquei sua cabeça no meu ombro. Nós dois sabíamos que ela iria viajar. Não teria fuga, nem tentativa disso.
"Vai ficar tudo bem." Falei.
A maior tristeza de Sally sempre foi ser distante de seu pai. Quando mais nova ela gostava de me contar como imaginava que seria a sua vida se a sua mãe ainda estivesse viva. Como seria chegar em casa e encontrar seus pais conversando qualquer bobagem. Ter horário pra chegar em casa. Levar bronca por alguma irresponsabilidade. E na nossa realidade, que pelo menos ela tivesse seu pai fazendo esse papel.
Estava ali a sua chance, mesmo que bem pequena, de ter isso. E que bem nos traria fugir? Ver tudo o que minha doce Sally poderia realizar em sua vida ser jogado fora? Nunca.
"Logo agora..." Ela disse. "Como vou ficar sem todo mundo? Principalmente sem você. Parece um pesadelo."
"Falta pouco para o final do ano. Poderemos nos ver e... Se você quiser nunca mais ficaremos longe."
Ela tirou a cabeça do meu ombro e olhou fundo nos meus olhos. Acariciou o meu rosto.
"Vou sentir tanta a sua falta..."
Respirei fundo tentando não pensar em mim.
"Presta atenção. Nada nesse mundo poderia me separar pra sempre de você. Vão ser só alguns meses e depois estaremos juntos novamente."
Ela fechou os olhos e depois os abriu já se levantando.
"Melhor eu ligar meu celular então. Meu pai deve estar enlouquecendo. Me ajuda a arrumar umas bolsas?"
"Claro." Peguei sua mão e voltamos para casa.
Sally falou com seu pai. Separou poucas roupas e alguns objetos.
"Ainda tenho três horas." Falou. "Quero chamar o pessoal para poder me despedir e explicar tudo. Mas antes quero passar mais um tempinho só com você."
Sorri. Fui beijado. Fizemos amor. Ainda deitada em meus braços chamou meu nome e então meneou a cabeça.
"O que foi?" Perguntei.
"É só que... Nós nunca fomos lá muito sortudos. E a vida é essa maluquice..." Pausou. "Nunca tinha passado pela minha cabeça qualquer possibilidade de futuro em que você não fizesse parte da minha vida."
Interrompi. "Ei. Mesmo de longe vou continuar cuidando de você."
Ela sorriu.
"E vai ser por pouco tempo, amor. Vai passar rapidinho, vai ver." Completei.
"Só quero que você saiba que eu nunca amei alguém como amo você e o quanto você é especial."
Esboucei falar, mas ela não permitiu.
"Escuta." Continuou. "Não estou dizendo que você é especial porque eu te amo e porque me ama. E eu te conheço, Jack. Sei bem o que pensa de si. Mas quero que agora, sempre que passar pela a sua cabeça que você é menos do que incrível você possa se lembrar desse momento. Do que estou te dizendo."
"Você me dizendo assim parece que não vamos mais nos ver."
Vi as lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
"Se por alguma infelicidade..." Fechou os olhos e respirou fundo. "Jack, estou morrendo de medo."

I am still right here
What have I become, my sweetest friend?
Everyone I know goes away
In the end
Eu ainda estou bem aqui
O que me tornei, minha mais doce amiga?
Todos que eu conheço vão embora
No final

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

18- Capítulo Dezoito

2011

Foi numa manhã, naquele momento em que nos prendemos conscientes aos nossos sonhos. Lembrei-me das vezes em que Sally deitava a cabeça em meu colo feliz porque algum rapaz por quem era apaixonada ter lhe dado uma mínima atenção. Como eu os odiava por a tratarem dessa forma, por lhe fazer aceitar tão pouco e acreditar que era tudo o que merecia.
Todas as vezes em que eu quis lhe mostrar como deveria ser, que ela merecia tão mais e que ainda seria pouco.
Acordei feliz. Eu finalmente tinha a chance de fazer a Sally ainda mais feliz.
Eu estava ansioso e não conseguia me lembrar de quando já tinha me sentido daquela forma antes.

Cannonball (Damien Rice)
There's still a little bit of your taste in my mouth
Ainda há um pouco de seu gosto em minha boca

Sally tinha dormido com as amigas numa espécie de festa de pijama.
Ouvi a campainha tocando incansavelmente e decidi me apressar. Não reconheci o homem na porta.
"Pois não?" Perguntei.
"Trabalho para o senhor Carter. Tenho ordens para buscar a senhorita Carter."
Não tive reação por um instante.
"Senhor? A senhorita está?"
"Não... Na verdade não está." Disse sem saber ao certo se era o que devia.
"Sabe onde posso encontrá-la?"
"Aconteceu alguma coisa?"
"Não tenho informações, senhor. Minha ordem é apenas de acompanhar a senhorita Carter em sua viagem."
"Viagem?"
"Senhor...?" Quis saber meu nome.
"Jack Taylor."
"Senhor Taylor, preciso encontrar a senhorita Carter. Só sei que é importante e tenho um horário a cumprir. O senhor poderia me ajudar?"
"Desculpa. Claro que posso."
A verdade é que eu não queria. Para onde a levariam? E por quanto tempo? Mas poderia ser importante para a Sally, então peguei o meu celular.
"Vou tentar falar com ela." Avisei ao segurança.
Uma mensagem da Sally.

Amor, me encontra atrás da Sorveteria Alpínia o mais rápido possível.

Tentei manter a aparência de tranquilidade e fingi ligar.
"Ela não atende." Informei.
"Entendo. Sabe de algum lugar em que ela possa estar?"
"Talvez na escola. Não faço ideia, pra ser sincero."
"Tudo bem. Agradeço a ajuda, senhor Taylor."
Ele foi embora e esperei alguns poucos minutos antes de sair correndo para a soverteria encontrar com a Sally.
Ela estava sentada em um dos bancos, seu rosto vermelho e cheio de lágrimas.

It's still a little hard to say what's going on
Ainda é um pouco difícil de dizer o que está acontecendo

"Amor?" Sentei do lado e encostei nossos rostos numa carícia, como costumávamos fazer.
"Jack..." Ela me olhou desesperada.
"O que está acontecendo? Tinha um segurança do seu pai procurando por você lá na casa dos seus tios."
Ela procurou algo na bolsa e retirou uma folha de papel.
"Imprimi pra você poder ler. É um e-mail do meu pai."

Querida Filha,

Tenho uma ótima notícia. Você vai ganhar um irmãozinho ou irmãzinha, ainda não sabemos. Além de uma irmã de 9 anos e tenho certeza que vai amá-la. 
Sei que vai ser uma grande surpresa pra você, mas acredite que também estou surpreso. Claire é uma mulher fantástica. Nos conhecemos há algum tempo, não te contei nada a respeito por não ter julgado necessário. Mas terá tempo para conhecê-la melhor antes do nosso casamento.
Acho que finalmente poderei descansar de minhas constantes viagens. Martagon não é um lugar tão luxuoso quanto Primavera, mas certamente é encantador.Vai gostar de morar aqui.
Acredito que uma semana seja o suficiente para que você possa se despedir de Almerim. Vou pedir que alguns seguranças busquem você. Depois encaminho outro e-mail avisando o horário.

Ansiosamente, 
Seu pai.


There's still a little bit of your words I long to hear
You step a little closer to me
So close, I can't see what's going on
Ainda há um pouco de suas palavras que eu desejo ouvir
Você se aproxima um pouco de mim
Tão próximo, que eu não consigo ver o que está acontecendo